A música sertaneja é um dos ritmos brasileiros que mais se renova. Seja na sonoridade, adotando novos arranjos e melodias, seja na letra, mudando constantemente a mensagem. Foi nos anos 1950 que a vertente teve a principal transformação, ao deixar o âmbito rural para virar um gênero mais urbano. Essa urbanidade veio por meio da influência de estilos latinos que se mesclaram com a música caipira. “A partir da década de 1950, começa a entrar na música rural o bolero e ranchera mexicanos, a guarânia paraguaia, o chamamé argentino (veja quadro). Surgiu uma distinção: os sertanejos foram aqueles que se mostraram abertos às influências estrangeiras. Os autonomeados caipiras passaram a repudiar os sertanejos e visavam defender um purismo musical do passado rural”, explica Gustavo Alonso, autor do livro Cowboys dos asfalto — Música sertaneja e modernização brasileira.
Desde então, o sertanejo bebe constantemente na fonte latina. Há dois anos, o estilo incorporou o reggaeton, que pôde ser visto em trabalhos de artistas como Simone & Simaria (Loka), Wesley Safadão (Você partiu meu coração), Luan Santana (Acordando o prédio) e Pedro Paulo & Alex (Trago de Ron). Desde o ano passado, há outra batida latina que se mistura ao sertanejo.
É a bachata, estilo musical que é um híbrido do bolero nascido nos anos 1960 na República Dominicana, e que se caracteriza pela percussão marcada pelo bongô (instrumento com dois pequenos tambores) e pela güira (cilindro de metal) acompanhados do requinto e do violão. Ela tem aparecido em trabalhos de Gusttavo Lima, Henrique & Juliano, Michel Teló, Eduardo Costa, Marília Mendonça, Conrado & Aleksandro, Gustavo Mioto e Simone & Simaria. Em alguns casos, completamente inspirado no ritmo dominicano, em outros, só com a incorporação de instrumentos típicos.
“O que muda em relação ao arranjo (do sertanejo) é a forma de executar quatro instrumentos específicos. São eles o bongô, a guira, o baixo e guitarra (rítmica e solo). Esses são os instrumentos que caracterizam a bachata em sua forma pura e original da República Dominicana. Além do instrumento, a execução é muito importante. Por não ter bateria no arranjo, os bongôs e a guira são tocados com mais variações rítmicas dentro da mesma música. A guitarra, por sua vez, faz um papel importantíssimo nos intervalos vocais”, explica Eduardo Pepato, diretor e produtor musical que tem trabalhado a bachata no sertanejo. “Gosto muito de bachata e acredito que, como qualquer outro ritmo, pode ser, sim, inserido na música sertaneja. Com equilíbrio entre repertório e estilo do artista, podemos beber muito dessa fonte. Acredito que é uma tendência que, com sabedoria, pode ser inserida no sertanejo por muito tempo”, completa.
Mistura
A primeira gravação de Pepato misturando sertanejo e bachata ocorreu em 2011 com a música Jejum de amor, da dupla Fred & Gustavo, em que incluiu, pela primeira vez, o bongô e a guira. “De lá pra cá, em muitos outros arranjos tenho utilizado esses instrumentos. Agora, a guitarra e o baixo da bachata, produzi pela primeira vez no DVD Menos é mais, último trabalho lançado pela dupla Henrique & Juliano”, conta. Em Menos é mais, a batida latina aparece mais claramente em músicas como Desbeijar minha boca, Rua recaída, Vai que bebereis e Cidade vizinha.
Gusttavo Lima, que desembarca em Brasília em 12 de outubro para mais um show do Buteco do Gusttavo Lima, é outro artista que tem levantado a bandeira da bachata. Em O Embaixador, de 2018, o sertanejo trouxe o ritmo praticamente no repertório completo do disco. Das 19 músicas, nove têm a bachata de forma óbvia: Zé da recaída, Respeita o nosso fim, Carrinho na areia, Conta gotas, Mundo de ilusões, Cem mil, Tudo que um dia vai um dia volta, Sujeito e Eu não iria. “Sempre fui fã demais da música latina e foi essa paixão que me motivou a incorporá-la ao meu trabalho. Acredito que a contribuição de todo artista é apresentar coisas novas e diferenciadas ao público. Trazer a bachata para nossa música sertaneja é algo que, na minha opinião, está dando bastante certo”, define o cantor.
O mais recente single de Gusttavo, a faixa Milu, lançada neste ano, também segue com a batida da bachata, ritmo que estará no próximo trabalho do sertanejo, como ele adiantou ao Correio. “No nosso próximo DVD, que vamos lançar em outubro, a bachata está vindo com tudo”, conta. De acordo com ele, não foi preciso fazer muitas mudanças em seu trabalho para incorporar o ritmo latino. “Não teve muita (mudança) não! Até porque já escutávamos bachata há muitos anos! O que fizemos foi inserir a bachata na música sertaneja atual e colocar um pouco da nossa identidade. Foi tranquilo”, explica.
Gusttavo Lima pretende, inclusive, gravar com artistas do estilo musical. “Tenho diversos planos nesse sentido. Com a minha ida para a gravadora Sony Music, devemos estar ainda mais em contato com artistas e produtores internacionais”, diz. O sertanejo ainda falou sobre os artistas e músicas que mais gosta da bachata: “Curto bastante músicas como Escápate conmigo, do Wisin; Adicto e Culpa al corazón, do Prince Royce; Está rico, do Marc Anthony; El farsante, do Romeu Santos; No te vas, do Nacho; e por aí vai... São cantores latinos, não apenas da bachata, que me inspiram muito”.
Representantes
Entre os nomes mais conhecidos da bachata atualmente no mundo estão Prince Royce e Romeu Santos. Considerado o príncipe da bachata, Prince Royce, 30 anos, nasceu em Nova York, mas é filho de dominicanos. Desde o primeiro álbum da carreira, lançado em 2010, ele se define como um artista do gênero da República Latina, mesclado com R&B e pop. Entre as músicas mais conhecidas do cantor estão Cúrame, Bubalu, Sensualidad, El clavo e Sunflower.
Romeu Santos, 38 anos, começou a relação com a bachata primeiramente quando integrou o grupo Aventura, uma das bandas responsáveis pela popularização do estilo nos anos 1990 nos Estados Unidos, ao emplacar hits como Obsesión no topo das paradas da Billboard. Após deixar a banda em 2011, Santos se lançou em carreira solo, ainda tendo o ritmo como norte. Os principais hits dele são Ella quiera beber, Aullando, El farsante, Propuesta indecente e Bella Y sensual.
Ritmos latinos que influenciaram a música sertaneja
Bolero mexicano
Apesar de ter nascido em Cuba no fim do século 19, o ritmo ganhou notoriedade no México ao ser incorporado na música romântica do país. Violão, piano e instrumentos de sopro fazem parte da composição.
Chamamé argentino
O estilo musical nasceu de uma fusão entre a cultura guarani e europeia e bebe da fonte da polca e da guarânia paraguaias. Tradicionalmente, é feito com dois violões e bandoneón, que também pode ser substituído por acordeon.
Guarânia paraguaia
Criada em 1925 é uma derivação da polca paraguaia. Foi um dos ritmos fenômenos do Paraguai. Guitarra, harpa paraguaia, piano, trompete, clarinete, trombone, contrabaixo, baixo elétrico, piano elétrico e flauta são os instrumentos característicos do estilo.
Ranchera mexicana
Gênero musical popular e folclórico do México, nasceu nos anos 1930 e logo se tornou em um símbolo mexicano, assim como o mariachi. É caracterizado por conter uma introdução instrumental. Os instrumentos típicos são violão, trompete, violino, violão de mão (vihuela) e guitarrón.